Os dois prédios, de distintas épocas, são de qualidade ímpar dentro
das limitações do período e dos seus respectivos programas de
necessidades. Duas formas diferentes de conceber arquitetura que, com a
proximidade de um olhar, podiam ser fruídos durante um mesmo passeio
pela Praça 20 de Setembro.
A excelente localização desta casa eclética também ajudou a
colocá-la em evidência: trabalhada em aula durante algumas disciplinas
do curso arquitetura da Unisinos, foi recentemente tema de trabalho de
conclusão de curso de uma acadêmica da mesma instituição. A cidade
acostumou-se a conviver com aquela vetusta construção que, na dignidade
de sua fachada marcada pela pátina do tempo, jamais pintada com cores
extravagantes ou tintas inadequadas, mantinha-se ainda que abandonada
como um marco importante para a comunidade capilé.
As saliências das pilastras, que também ajudam a estruturar a
fachada, e os demais ornamentos que emolduram as portas, janelas e
principalmente a bela platibanda de frontão arredondado, através dos
tempos juntaram tanta sujeira e fuligem quanto histórias e memórias. As
casas antigas tem essa propriedade: elas não parecem “reter” a memória
dentro de tantas reentrâncias e saliências?
Se os olhares de admiração asseguraram sua manutenção, não
conseguiram assegurar contudo sua conservação. Muito degradada, a
empresa de transportes coletivos proprietária do bem histórico decidiu
solicitar sua demolição. O conselho de patrimônio foi sensato ao negar
este pedido, visto que a casa além de tanta importância histórica,
arquitetônica e social, está devidamente arrolada em um decreto
municipal que impede sua demolição.
Houve acionamento do Ministério Público, mas o caso vem se
arrastando há meses. O pior aconteceu: primeiro o desmoronamento parcial
do telhado, que já se encontrava em avançada degradação. Após décadas
sem nenhum investimento para conservação, é até impressionante a
resistência apresentada pelo prédio. Com o tempo, cai todo o telhado, e
também o frontão que dava frente para a praça. Quantas memórias não
caíram juntas com aquele elemento?
Desde então, o bem agoniza a olhos vistos, diariamente. A casa, em
um estado cada vez mais crítico, continua desmoronando, sem escoramento
adequado para sua estrutura e sem proteção contra a incidência de
chuvas. E principalmente: sofre a falta de luz para que consiga suportar
as noites. Explica-se: é curiosamente apenas no breu noturno que as
paredes costumam desabar.
A empresa proprietária segue com seu desejo de demolir o restante
do imóvel, visando conseguir mais vagas para estacionamento. Não
precisamos citar o quanto um muro branco abrigando vaga para um ônibus
estacionado seria no mínimo impertinente em um ponto tão nobre e de
frente para uma praça pública… E pior ainda, o quão grave seria perder
este prédio histórico tão importante para a cidade? Abrindo mais um
precedente que desmoraliza de vez a existência de uma legislação
municipal e de um conselho de patrimônio?
Mas, que desfecho terá esta história? Os personagens em ação hoje
são o tempo, implacável; a empresa proprietária e a promotoria de meio
ambiente da cidade. Mas ainda faltam os principais protagonistas sempre
que se fale de patrimônio cultural: a sociedade. Sociedade que é
convocada pelo artigo 216 da Constituição a colaborar com o poder
público pela preservação do patrimônio cultural. Sociedade que é “dona”
do patrimônio cultural e dos valores intangíveis que estes bens imóveis
são portadores. A população é a principal interessada na manutenção de
sua história, de sua identidade, de sua paisagem urbana.Recorrendo a
pensamentos elitistas, podemos pensar que a população não está preparada
para assumir um compromisso com seu patrimônio. De fato, hoje a
população em geral não apenas está ocupada com o consumo, mas é
incentivada a isso pela (des)educação continuada e diária da mídia.
No entanto, o grito de SOCORRO desta casa foi acolhido por 150
pessoas em apenas 2 dias de divulgação boca a boca. Lembramos que essas
150 pessoas também são sociedade. E que a luta continua a ser endossada
por mais e mais pessoas, não só leopoldenses, mas brasileiros
preocupados com a manutenção do patrimônio cultural.
O estado da casa é lamentável, mas ainda reversível. As partes
caídas continuam rígidas e podem ser resgatadas. As ruínas podem ser
consolidadas e devidamente restauradas. Não há dificuldades técnicas
para a solução do caso: a única dificuldade é a falta que faz uma
sociedade ativa, organizada e reivindicadora dos direitos coletivos e
difusos. Uma sociedade que demonstre peso, que faça pressão para que
valham estes direitos. Que veja que articular a preservação apenas por
baixo dos panos não funciona, é preciso atuação transparente e às claras
para que se possa congregar o máximo de indivíduos interessados. Penso
que este é o caminho mais importante a ser trilhado, e é o que estamos
tentando começar com este apelo. Ouçamos o grito de SOCORRO do nosso
patrimônio!
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