Após sofrer um incêndio, a antiga Pensão Jaeger, prédio histórico de Taquara (RS), passou a ser alvo de um inquérito não no sentido de preservar a edificação, mas de demolí-la fatalmente, dando-se inclusive prazo para sua eliminação. Como contrapartida, quando eventualmente algum projeto se fizer no lote, foi sugerido pelo MP que se fizesse uma reconstrução.
Buscando reverter este entendimento da Promotora do MP no município, o representante do núcleo regional da Defender Jorge Luís Stocker Jr. redigiu a carta aberta abaixo, divulgada também na imprensa de Taquara.
Exmª. Sra. Promotora de Justiça Ximena Ferreira
Venho como cidadão, por intermédio desta correspondência eletrônica
trazer uma série de inquietações e colocações a respeito do caso da
Antiga Pensão Jaeger, que se encontra em demolição em pleno sítio
histórico de Taquara/RS.
Inicialmente, gostaria de me apresentar: não sou taquarense, sou
cidadão de Campo Bom/RS, mas apaixonado pela cidade de Taquara,
especialmente devido ao seu incomparável sítio histórico central. Sou
acadêmico do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Feevale,
onde também estou vinculado ao Laboratório de Teoria e História da
Arquitetura e Urbanismo. Desenvolvemos pesquisas e projetos de educação
no sentido de entender e valorizar o patrimônio cultural. Já participei
de cursos de Extensão em Educação Patrimonial, em Metodologia de
Projetos para Restauro e em diversos seminários e eventos. Sou associado
da Defender, a qual represento dentro dos limites territoriais do
Vale do Sinos e Encosta da Serra.
Conhecendo de longa data a importância da atuação do Ministério
Público como aliado na busca do cumprimento das disposições legais em
defesa do patrimônio cultural, e especialmente, o árduo e incansável
trabalho de Vossa Exª. neste sentido, faço este contato receoso de que
não haja tempo hábil para uma mudança de decisão – pois infelizmente só
tomei conhecimento do pedido de demolição da Pensão Jaeger quando já
havia um TAC assinado com esta promotoria e o prédio já encontrava-se em
demolição.
Deixo, enquanto cidadão brasileiro que está se sentindo agredido em
seus direitos com a demolição desta Pensão Jaeger, e verificando que
este caso desmoraliza uma importante movimentação civil que eclode no
município em prol da preservação do patrimônio edificado, os seguintes
questionamentos:
1 – quanto ao eventual perigo de desabamento: não possuo no momento
responsabilidade técnica para a emissão de um laudo dentro dos
conformes. Em visitação in loco, no entanto, percebi que a
edificação apesar de incendiada não apresenta quaisquer indícios de
arruinamento das paredes. Procurei e não encontrei nenhuma patologia
severa como rachaduras, fendas, esmagamento da alvenaria, cedência das
fundações ou qualquer outro tipo de anomalia estrutural que comprove o
eventual desabamento. Questiono se o técnico laudista tem capacitação
específica para esta área de conservação e restauro de patrimônio
cultural?
2 – considerando que há eventualmente a longo prazo qualquer risco de
desabamento, questiono a não adoção da solução de ESCORAMENTO
EMERGENCIAL. Trata-se ao meu ver da decisão mais prudente e barata,
analisando prováveis morosidades que levariam a dificuldade de sua
completa restauração em curto prazo. Este escoramento poderia
tranquilamente ser feito na parte interna da edificação, reforçando os
pontos onde hoje não existem, mas eventualmente poderiam manifestar
algum risco de desabamento no futuro.
Friso que a estrutura até o momento em que a visitei no último sábado
(02/06) contava com a amarração das paredes internas em boa parte e
amarração geométrica da esquina chanfrada. Alerto que são exatamente as
paredes internas que aparentemente estão começando a demolir, inserindo
um risco até então inexistente na estrutura.
3 – Deveria se considerar o precedente e desmoralização que este caso
abre para a preservação de qualquer outro bem cultural na cidade.
Sempre será mais fácil incendiar, demolir e reconstruir uma réplica
fetichizada do que buscar soluções para seu resgate.
Considerando-se, que realmente a conclusão do Inquérito tenha
apontado através de seu laudo técnico esta equivocada necessidade,
gostaria de questionar se foi devidamente consultado o órgão estadual
IPHAE-RS – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do
Rio Grande do Sul, conforme convênio por este firmado com o Ministério
Público.
Tal se justifica ainda sob as prerrogativas da Constituição Estadual e
da Lei Estadual n.º 7.231, de 18 de dezembro de 1978, art. 3º. Seria
indispensável para garantir a coerência da decisão e da compensação
acertadas, pois estaríamos contando com laudos técnicos especializados e
investidos de autoridade dentro desta área.
4 – gostaria, por fim, de deixar uma manifestação completamente
contrária a demolição e mesmo a posterior reconstrução de uma réplica da
Pensão Jaeger. Trata-se de algo completamente repudiado pelo meio
acadêmico, por profissionais especializados na área de Conservação e
Restauro e em suma, por qualquer órgão de preservação. As réplicas são
aceitas como bom termo em casos específicos e raríssimos, sempre com o
cuidado de não abrir precedente. Sabemos que o patrimônio cultural não
se limita a uma imagem bonita, o que poderia ser reproduzido, a esmo, a
qualquer momento, sem nenhum valor cultural; mas que existe toda
dimensão documental que permeia sua materialidade.
É inexplicável a recomendação da construção de uma réplica quando se
tem de forma impecável, mais de 90% do material original da obra em
nossa frente. Tal caso poderá e já está a abrir tristes precedentes para
o desmonte do restante do patrimônio cultural da cidade.
Gostaria por fim, de respeitosamente trazer a Vossa Exª. estes
questionamentos e o pedido que, em respeito ao benefício da dúvida, PEÇA
COM URGÊNCIA a emissão de um laudo especializado pelo órgão competente
IPHAE-RS, conforme Termo de Cooperação do Instituto com o MP, bem como
que este órgão deixe sua sugestão de compensação caso haja uma duvidável
concordância com a necessidade de demolição.
Sei do envolvimento desta promotoria com a causa da preservação e
penso que apenas assim teremos a certeza de que o patrimônio cultural de
Taquara será preservado da melhor forma dentro das possibilidades
atuais e de que a mobilização da sociedade civil em torno do tema
preservação não receberá esta triste demolição para lamentar e causar
sua desmoralização frente a quem busca o desmonte da cultura da cidade.
Agradeço imensamente a atenção dispensada, contando com o engajamento
e coerência desta promotoria para a preservação do patrimônio cultural
de Taquara,
Jorge Luís Stocker Jr.
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